Era a décima terceira noite que François Vatel (inventor do Chantily ele era maîte d’hotel e não cozinheiro/chef. Foi seu chef pâtissier que criou o chantilly) não dormia. Às 4 da manhã, levantou-se depois de duas horas insone no colchão. Foi checar se a encomenda de peixe para o banquete em homenagem ao rei Luís XIV, da França, já havia chegado. Na cozinha do castelo, um peixeiro o esperava com apenas duas cestas cheias. Era pouco. Vatel encomendara frutos do mar de todos os portos da França para a ocasião. “Isso é tudo?!!!”, desesperou-se. “Sim, senhor”, respondeu o peixeiro. “Não suportarei mais essa desgraça”, exclamou. Voltou para o quarto, trancou a fechadura e se matou com um punhal. Era 23 de abril de 1671, um sábado.
A tragédia do mestre de cozinha que morreu por falta de peixe é um dos episódios mais famosos da gastronomia. Rendeu até filme (Vatel – Um Banquete para o Rei, em que Gérard Depardieu interpreta uma versão romanceada do cozinheiro). Nascido em 1631, de família humilde, ainda menino Vatel virou aprendiz de confeiteiro. Chegou à corte aos 22 anos, admitido como auxiliar do cozinheiro de Nicolas Fouquet, o ministro de finanças.
Talentoso, ativo, organizado e extremamente ambicioso, Vatel em pouco tempo puxou o tapete do chefe e tomou seu lugar. Ele tinha um único objetivo: provar a Luís XIV que era melhor que o mestre da cozinha real. Numa das primeiras tentativas, em 1661, Vatel criou um creme batido doce e perfumado para impressionar a corte em um banquete. Infelizmente, o rei nem notou o quitute. O banquete também parece não ter trazido sorte a Fouquet. Logo depois, ele foi preso sob a acusação de conspirar contra o governo. Vatel esboçou uma revolta, mas foi solenemente ignorado pelos guardas. Antes que a ira real recaísse sobre ele também, se exilou na Inglaterra. Voltou para a França dois anos depois e foi trabalhar para o príncipe de Condé, no castelo de Chantilly. Lá, sim, seu creme doce caiu no gosto de todos. Satisfeito, Vatel batizou a iguaria com o nome do lugar.
As coisas correram bem para Vatel até o fatídico ano de 1671. Condé convidou o rei Luís XIV para um fim de semana de caçadas no castelo. O cozinheiro teve duas semanas para preparar a recepção. Estressado, passou 12 dias sem dormir. No dia da chegada do rei, apareceram mais convidados que o esperado. Vatel então notou que o faisão assado não era suficiente. “Minha honra está perdida”, comentou. O príncipe de Condé tentou consolá-lo: “Vatel, nunca houve um jantar magnífico como o de hoje”. Mas não adiantou. O cozinheiro estava cada vez mais preocupado com o banquete de sábado, o maior da sua carreira: filé de linguado, anchovas, melão com presunto de Parma, lagosta com molho de camarão, pernil de carneiro, pato ao molho de vinho Madeira e, de sobremesa, bombas de morango.
Os gemidos de Vatel ao se apunhalar acordaram o castelo. Uma hora depois da tragédia, diversos pescadores começaram a chegar com suas cargas: houvera um atraso nos portos. À noite, o banquete foi um sucesso. Em respeito a Vatel, não serviram o linguado. Finalmente, o rei Luís XIV se rendeu aos dons do cozinheiro. Mas era tarde demais
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